sábado, 8 de novembro de 2014

A Imagem de Deus no homem - 2ª parte



O QUE O TESTE NO ÉDEN REPRESENTOU PARA O HOMEM?

O ser humano é o único ser que tem de dizer sim para si mesmo e para Deus. Esse foi o teste do Éden pelo qual ele teve de passar. Ele teve de escolher se iria se reportar a Deus ou não para se definir. O que foi a tentação da serpente e o que isso representou para o homem? A serpente disse que se comesse do fruto o homem seria como Deus conhecendo o bem e o mal. Mas o homem já não era parecido com Deus? Perceba como a tentação estava relacionada com a singularidade do homem. Mesmo sendo feito à imagem de Deus, para que isso se consolidasse em Adão ele teria que fazer uma escolha: ou ele definiria a si mesmo a partir de Deus ou de forma autônoma, sem depender de Deus. Por isso, não tinha como o homem contornar a tentação e não enfrentar a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Uma boa ilustração disso é o casamento. Segundo a teologia paulina em Efésios 5, o homem que vai casar não tem escape: seu destino é morrer. Paulo diz que o homem tem que amar a mulher como Cristo amou a igreja. Que Cristo fez? Ele morreu. Todo homem tem que encarar isso: casamento é morte. Se já casou e a ficha ainda não caiu, acorde. É assim que o casamento funciona. Não faça como Adão que pôs a culpa na mulher. Não! É Deus que fez o mundo assim. O homem prova que é macho casando!
Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela. Que Adão deveria ter feito quando viu que Eva tinha pecado? Ele não entendeu que de qualquer jeito iria morrer, mas ele poderia escolher entre morrer por Eva ou morrer com Eva. Ele fez a escolha errada pensando que a estava amando, mas, na verdade, estava jogando na cara de Eva e de Deus que a culpa era da mulher.
Sempre digo para as mulheres: Não queiram um homem que existe em sua órbita. Acordem, mulheres! Deus não fez o homem para girar em volta de você. Um dia você vai dançar se insistir nisso! Na medida em que seu marido girar em torno de Jesus, vai ser ótimo para você. Ele vai fazer coisas do arco da velha, quem sabe até morrer por sua causa. Mas se obrigá-lo a morrer com você, um dia vai ouvi-lo dizer para Deus: a culpa foi dela, ela me convenceu. Mulheres, fujam do engano da serpente!
Só estou usando a ilustração do casamento, para que percebam que Adão tinha de enfrentar a tentação. Muitos questionam: Se Deus é bom, por que colocou aquela árvore lá no jardim? Por que deixou a serpente entrar lá? Simplesmente porque isso também era bom. Não era bom que o homem pecasse, mas era bom que enfrentasse o teste espiritual e fosse aprovado.
Afinal, quem levou Jesus para o deserto para ser tentado pelo diabo? O Espírito Santo (Mt 4.1). O Espírito Santo fez algo errado? Não! O diabo fez algo errado? Sim. De modo semelhante, o homem errou porque pecou, mas Deus não errou porque colocou o homem no teste, pois o homem não é passarinho nem cachorro. Ele precisa dizer sim para a estrutura que Deus pôs nele. Ele precisa dizer: não necessito de autonomia para ser como Deus, preciso olhar para Deus, pois ele me fez à sua imagem.   
Da mesma forma, era isso que Adão poderia ter dito: Deus me fez à sua imagem. Então, para eu ter a imagem divina tenho de olhar para ele. Eu não preciso comer desta árvore. Assim, todo o significado daquela árvore se realizaria no homem sem pecado. Ele ganharia o conhecimento do bem e do mal sem a prática do mal, mas por meio da resistência ao mal. Como Jesus, que aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu.
Portanto, Adão não tinha a opção de contornar a árvore do conhecimento do bem e do mal. Foi Deus quem a colocou ali por que precisava passar por este teste.  E tudo isso tem significado para nós hoje. O homem foi feito à imagem de Deus para viver como um ser criado à imagem de Deus, mas por causa do pecado ele pode renunciar a esta estrutura e viver como um animal. Isto é o que significa estar caído e em pecado! Estar em pecado é estar afastado de Deus. E estar afastado de Deus é ser menos que um ser humano.

JESUS NÃO É UM SER HUMANO SANTO! ELE É UM SER HUMANO!

Quem é um ser humano num sentido completo e total? Jesus! Quando não somos como Jesus, somos menos do que humano, somos sub-humanos ou desumanos. Preste bem atenção: Jesus não é um ser humano santo. Jesus é um ser humano! Ele é o único que viveu isso de forma completa. Muitos pensam que o Cristianismo é sobrenatural e que tudo mais é humano. Mas segundo a Bíblia, não é possível ter a natureza humana sem o sobrenatural, porque o homem foi feito à imagem de Deus. Saiba, então, que sem a imagem divina você vira menos que homem, vira pó (o que Adão era antes). O homem é a imagem divina escrita no pó. Se essa imagem for retirada, o que sobra é pó. Não existe uma natureza humana que se sustente indepentemente de Deus. Ao contrário dos animais, plantas e pedras, se o ser humano tenta existir sem Deus, ele se desintegra.

É IMPOSSÍVEL DEFINIR O HOMEM DE BAIXO PARA CIMA

Isso pode ser visto claramente na arte.  Leonardo da Vinci, cientista, escritor e pintor renascentista desenhou o homem vitruviano, uma imagem do homem dentro de um quadrado e um círculo. (Fácil de achar na internet.) Já Michelangelo fez Davi, uma estátua gigante representando a grandiosidade do ser humano. Na renascença, havia, por um lado, a tentativa de enfatizar a dignidade humana por meio de uma visão elevada do ser humano que estaria acima de todas as criaturas (visão essa, por sinal, derivada do Cristianismo) e, por outro lado, havia a tentativa pagã de representar o homem geometricamente numa forma de dizer que ele não precisava de Deus para se autodefinir, pois ele era livre e autônomo. Perceba, então, que se você tira Deus da jogada, você tem que reconstruir a visão do ser humano de baixo para cima, ou seja, a partir da terra. Portanto, para definir o que é ser gente sem usar a ideia de que o homem foi feito à imagem de Deus, o homem, cansado do jugo da igreja católica, começa a usar a matemática, a geometria, a filosofia da natureza e, mais tarde, as ciências humanas, como a física, a biologia, a ciência política, a sociologia etc. Todas as ciências vão tentar definir o ser humano seguindo a mesma ideia: Já que não cremos mais em Deus, vamos construir a imagem grandiosa do que é ser humano usando outras referências, como uma estrutura matemática, como uma máquina ou matéria, como um ser cultural, como um ser de linguagem, e assim por diante.
Mas, no final, todas essas tentativas de definir o que é o homem fracassam. Picasso, que marca o início da arte moderna no começo do século 20, representa o ser humano de modo irreconhecível por meio de formas geométricas como quadrados e cubos. Por mais que se esforce, não se consegue ver claramente uma forma humana. Portanto, no início temos Davi, um ser glorioso de 4 metros de altura, e no final temos obras de Picasso como Les demoiselles D`Avignon ou Dora Maar au chat (a famosa mulher na cadeira) em que a forma humana é praticamente perdida dando origem à arte abstrata. Assim, por meio da arte, as pessoas passaram a afirmar que ninguém mais sabia o que é o ser humano, provando que é impossível defini-lo de baixo para cima. De baixo para cima, tudo é igual, seja pedra, seja cachorro ou gato, seja homem – tudo é feito de pó. E por isso temos hoje as pessoas confundindo a dignidade humana com a dignidade de um cachorro.

A PERDA DA IDENTIDADE HUMANA LEVA PARA IDOLATRIA E ESCRAVIDÃO

Sendo assim, a enfermeira que praticou um ato cruel contra o animal é criminosa não porque matou o cachorro, mas porque, sendo feita à imagem de Deus, não poderia ter feito isso.  Acima de tudo, ela pecou contra Deus e contra a imagem divina nela. Hoje, o fato de as pessoas em nossa cultura se sentirem tão revoltadas com a morte do cachorro, mas não se sentirem revoltadas com a perda da identidade humana é um mau sinal.  Sinaliza a prática horrorosa e destrutiva de idolatria. Qualquer tipo de idolatria (seja a animais, casa, carro, carreira, filhos, marido, mulher, conhecimento, poder, fama etc.) destrói a imagem divina no homem. E qualquer ato de crueldade contra a imagem divina é um ato contra Deus. Por isso, o pecado do homem é tão grave.
Muitas vezes, as pessoas indagam: Por que Deus é tão mal? Por que julgar o homem e mandá-lo para o inferno? Por que toda essa ira de Deus contra o homem? Pense bem, se o homem fosse uma lagartixa não haveria razão para Deus ficar irado. Deus fica irado porque colocou o rosto dele em você e você profanou isso. Seu destino não é de uma lagartixa ou de um rato. Nem um anjo caído tem o que você tem: a imagem divina estampada em sua cara. E você pensa que isso vai passar batido ou vai sair fácil? Deus coloca a imagem dele em você e você a joga na lama? A dignidade do homem é diferente da dignidade do animal. É justamente porque o homem possui a imagem divina nele que algo como direitos humanos é tão importante. É justamente por isso que o homem não pode ser tratado como um animal ou como um ser doente quando pratica algo errado. Porque ele é feito à imagem de Deus, recebe tratamento diferente quando joga esta imagem na lama.
A cultura babilônica ensinava que a sociedade seria um reflexo do céu. Em sua visão da ordem cósmica, Deus seria basicamente um explorador dos homens. Havia os deuses principais e os deuses inferiores que estavam cansados de trabalhar duro para servir aos deuses superiores. Os deuses inferiores decidiram, então, sacrificar um deus inferior do panteão e misturar seu sangue com a terra, e assim foi criado o homem. Com que finalidade o homem foi criado? Para trabalhar dura e incansavelmente como escravo dos deuses. Do contrário, eles enviariam juízo e destruição sobre a terra.
E a situação da mulher era muito pior. Por ser feita de matéria inferior a do homem, era considerada inferior ao homem. Segundo o evangelho apócrifo de Tomé, Pedro teria dito que as mulheres se afastassem deles porque não tinham salvação. Mas Jesus teria contraria Pedro dizendo que toda mulher que viesse até ele herdaria o reino dos céus porque se tornaria homem, ou seja, toda mulher que se transformasse em homem teria direito de herdar o reino dos céus. (Acho engraçado que os estudiosos gostem de engrandecer os evangelhos apócrifos, pois são absolutamente ridículos, sem plausibilidade, paupérrimos em termos morais, sem conhecimento da cultura semítica, e claramente datados 100 anos depois de Jesus.)
Portanto, de acordo com a visão grega, a masculinidade está relacionada com a razão e Deus seria o princípio racional, e a matéria que significa o caos seria o princípio feminino. Sendo assim, os homens estariam mais perto do princípio divino das coisas do que as mulheres. É por isso que Aristóteles afirmava que as mulheres seriam homens imperfeitos. (Contrariando minha santa avó que dizia que quando Deus fez o homem ele estava apenas ensaiando, e que depois, na segunda fornada, ele acertaria em cheio.)
Brincadeiras à parte, segundo a ideologia babilônica, os homens seriam escravos dos deuses e trabalhariam para alimentá-los. Além disso, somente os reis, que se assentavam nos tronos no topo dos zigurates (tipo de templos), possuíam imagem divina. Provavelmente, Ninrode, o poderoso caçador diante do Senhor, tenha sido o primeiro a subir no trono e declarar que ele era o único que tinha imagem divina e o resto seriam todos seus escravos.
No entanto, o relato de Gênesis descreve uma visão totalmente diferente disso. Em primeiro lugar, Deus não cria o homem para se alimentar de seu trabalho. Ao contrário, Deus cria o homem e planta para ele um jardim cheio de árvores frutíferas. O homem podia comer de tudo, menos de uma árvore, pois Deus tinha um plano que exigiria a confiança do homem nele. Até a árvore da vida havia no jardim.
Segundo um antigo poema épico da Mesopotâmia, o rei Gilgamesh teve que viajar para os confins do mundo a procura de uma planta que lhe daria a imortalidade. Porém, quando estava se aproximando do lugar, uma serpente se antecipa e come a planta, e ele perde a imortalidade. Uma visão totalmente diferente de Gênesis em que Deus faz o homem e coloca-o num jardim onde existe todo tipo de alimento que ele precisa e onde todos os homens teriam a imagem divina. Em Gênesis, a mulher não é feita de matéria inferior a do homem. Deus faz o homem dormir e tira a mulher do homem, significando com isso que é feita da mesma matéria do homem. No original, o termo ´auxiliadora idônea´ significa alguém que estivesse ombro a ombro ou face a face, ou seja, no mesmo nível que ele.
Portanto, a visão bíblica da criação do homem e da mulher é totalmente oposta à visão mitológica. Segundo a Bíblia, o ser humano tem dignidade. O homem não foi criado para ser escravo de Deus, mas antes é sustentado e cuidado por ele. O homem teria que trabalhar, sim, mas Deus já havia trabalhado antes dele. Seu trabalho seria útil e prazeroso porque aconteceria em cima do trabalho de Deus. Por que o homem tinha que lavrar seis dias no jardim e descansar no sétimo se todas as árvores estavam lá carregadas de frutas? Porque ele trabalhava pra expressar o que Deus já tinha lhe dado. É a mesma visão do Novo Testamento que diz que somos salvos pela fé, que isso não vem de nossas obras, mas vem de Deus para que ninguém se glorie. E mais ainda, diz que somos feituras suas criados em Cristo Jesus para as boas obras que Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. Paulo está se referindo a Gênesis 1 e 2. Que tudo que recebemos foi pela graça e que nosso trabalho é baseado no trabalho que Deus fez. Nós fazemos as obras que Deus preparou para andarmos nelas. Fora disso, todo trabalho é escravidão, pois não é trabalho estabelecido por Deus.
A prática da idolatria surge quando você tenta construir a imagem humana a partir de um deus falso, seja ele um princípio matemático, uma matéria, um animal, seu trabalho, seu sonho, um parente etc. Chesterton declarou que quando o homem não acredita em Deus, ele acredita em qualquer coisa. Ele precisa de algo fora dele para lhe dar identidade. Pense num espelho. Se olha para ele, vê sua imagem refletida nele. Se tira o espelho da sua frente, a imagem desaparece.  Da mesma forma, o ser humano só é humano quando olha para Deus. Se Deus não é mais seu espelho, outras coisas vão definir você e destruí-lo. Assim como aconteceu em Gênesis 3, você vai virar pó.
De acordo com Gênesis 1, o homem foi criado à imagem de Deus e foi feito seu representante para sujeitar e dominar a terra. Ele foi colocado no jardim para manifestar Deus em toda atividade cultural e de domínio. Mas com a queda, sua relação de poder com as coisas foi imediatamente corrompida, pois escolheu uma divindade falsa como ponto de referência para definir a si mesmo. Paulo diz isso claramente em Romanos 1, que quando os homens rejeitam o conhecimento de Deus, Deus os entrega a concupiscência de seu coração para praticarem coisas inconvenientes. Eles desonram seus corpos mutuamente, ou seja, exercem poder sobre os outros de forma maligna. O texto relata todo tipo de violência e pecado que os homens praticam uns com os outros depois que perdem o conhecimento da imagem de Deus. Foi a mesma coisa que aconteceu em Babilônia com Ninrode. A ideologia de que só o rei possui a imagem divina fez surgir o princípio de todas as tiranias, pois o rei se achou no direito de escravizar e oprimir todos os outros homens. E os homens se acharam no direito de oprimir e escravizar suas mulheres porque eram feitas de matéria inferior. Em resumo, se Deus é tirado de cena, surge um ídolo e o ídolo sempre cobra seu preço. As relações de poder são corrompidas, pois os desejos de seu coração se descontrolam e você vai usar as pessoas como meio de satisfazer suas necessidades.
Torno a repetir o que disse no começo: a identidade humana é inseparável do conhecimento de Deus. Se o homem perde o conhecimento de Deus, perde tudo (Rm 1). Ele esquece quem ele é e quem seu próximo é. Ou se torna um escravizado ou um escravizador, pois perde sua dignidade como ser humano. Portanto, a idolatria destrói tanto o conhecimento de Deus como também a imagem humana. E isso é a raiz da injustiça social, da prostituição, do abuso do fraco e de todo tipo de corrupção.
A idolatria sempre produz escravidão. Que é dito logo no início dos dez mandamentos? Eu sou o Senhor teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão. Quando Deus se revelou a Moisés, ele se revelou como EU SOU. Vá e diga que EU SOU te enviou, disse ele a Moisés. Mas depois que Deus se expressou e tirou o povo do Egito, a expressão EU SOU ganhou conteúdo. Que conteúdo? Deus era o que fez na história. EU SOU o Senhor teu Deus que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão. Por isso, não tenham outros deuses diante de mim, ordenou Deus. Que tipo de deuses? Deuses como os do Egito que eram ídolos que justificavam a escravidão. Como sabemos que um deus é falso? Porque ele produz escravidão. Saiba que toda vez que existe escravidão em nossa vida, existe um ídolo. Seja na ordem social, seja na ordem política, se há escravidão, há ídolo. Todo deus que produz escravidão é ídolo. Ele esmaga o homem, porque o prende numa relação inautêntica.
O segundo mandamento diz para não fazer imagem de escultura. Por quê? Porque no princípio criou Deus o céu e a terra e depois criou o homem à sua imagem e semelhança. Percebe qual o problema do ídolo? Não é apenas que ele tira o lugar de Deus, mas também tira o seu lugar como ser humano. Quando você cria outra imagem de Deus, você se torna servo dela. E só existe uma imagem que Deus quis que existisse no mundo: a do homem. Toda vez que o homem tem um ídolo, ele sai do lugar que Deus o colocou. Certamente, Jesus é a imagem exata de Deus, pois ele é o homem completo. A doutrina da imagem de Deus é de suma importância para nós, pois preserva tanto a compreensão bíblica de quem Deus é como a de quem o homem é.

SÓ JESUS, O SEGUNDO HOMEM E ÚLTIMO ADÃO, RESTAURA A GLÓRIA ORIGINAL DO HOMEM

Na renascença, o homem só conseguiu ter essa compreensão elevada de si mesmo graças ao ensino cristão de que o homem é diferente de todas as demais criaturas. Mas ao se ufanar e tentar se afirmar sem fazer referência a Deus, tornou-se como outro animal, a ponto de considerar especismo o fato de ser tratado de modo especial. Esse é o estado caído em que se encontra hoje – age como se fosse apenas outro ser vivo como as plantas e os passarinhos. O homem não sabe mais quem é – está em crise de identidade.
Somente Jesus pode restaurar nossa condição como seres criados à imagem de Deus. Somente Jesus mostra tanto a ruína em que nos entranhamos como o caminho para sair dela. Porque ele morreu pelo nosso pecado de ter profanado a imagem divina. Jesus é o segundo homem que veio com a imagem divina para ser sacrificado por nós e assim restaurar a glória original do homem. Na verdade, ele nos leva a uma posição superior à original, porque restaura a glória original e nos dá a árvore da vida. Assim temos uma condição superior a de Adão.
Somente Jesus pode revelar tanto a miséria humana (porque mostra o que deveríamos ser como seres humanos) como a glória que temos por meio dele, a glória da adoção, o plano de Deus em criar seres parecidos consigo mesmo para ser seus filhos e sua representação no mundo.
Que Deus abra nossos olhos para perceber que a obra que Jesus veio fazer por nós foi nos livrar desse pecado de profanar a imagem divina e, mais ainda, veio nos comunicar sua própria vida. Que ele nos livre de ídolos e que sua imagem divina apareça em nós cada vez mais.

(Este artigo foi escrito por Elenir Eller Cordeiro baseado numa mensagem ministrada por GUILHERME DE CARVALHO, teólogo, pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, palestrante e diretor do L´Abri Brasil.)
Baixa Grande, BA, setembro de 2014.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Imagem de Deus no homem



IMAGO DEI*
(Guilherme de Carvalho)


A ENFERMIDADE EXISTENCIAL DO SER HUMANO EM NOSSA CULTURA

Qual o significado da imagem de Deus no homem? A falta de entendimento desse tema no meio cristão, sem mencionar em nossa cultura, é tão grande que seu ensino deveria ser, repetidas vezes, retomado. Certa ocasião, impressionou-me a reação do público a um ato trágico de crueldade cometido por uma enfermeira contra um animal. Grande quantidade de pessoas afirmou que ela deveria passar pelo mesmo tipo de morte com que matara o cachorro. Esse caso revela que ao mesmo tempo em que existe em nossa sociedade um senso enorme e reprimido de justiça, existe também grande desentendimento sobre assuntos como dignidade humana, justiça e direito. 

É verdade que a Bíblia afirma que Deus vai requerer do homem o sangue derramado de homens e de animais (Gn 9.5), mas o fato de as pessoas pedirem a morte de alguém numa situação trágica como esta e, em outra ocasião, posicionarem-se de forma hipócrita contra a pena de morte revela uma forma dupla de julgamento e grande incompreensão do que significa ser humano. Eu me arrisco a dizer que quase ninguém sabe mais o que significa ser gente.  Afinal, qual a diferença entre seres humanos e animais? Por que as pessoas sentem tanta ira contra algumas formas de abuso, mas não contra todas as formas de abuso?

Francis Schaeffer, pensador cristão do século 20, comenta em um de seus livros que nossa sociedade passou a encarar como normal certas coisas que foram rejeitadas há séculos pela cultura ocidental. Por exemplo, aborto e infanticídio eram práticas comuns no império romano. Tanto se podia livrar de uma criança indesejada pelo aborto como se podia expô-la em frente da casa para alguém levá-la ou era permitido abandoná-la em cima de um morro para algum animal devorá-la.  Essas e outras práticas (como a de se livrar de idosos e doentes) só foram proibidas por causa da influência do Cristianismo e da pressão da igreja depois do século 3. Por exemplo, existem registros de pena de excomunhão por dez anos e, mais tarde, até o dia da morte, para quem praticasse aborto. Mas, hoje, coisas que haviam sido abolidas em nome da dignidade humana e da autonomia do indivíduo têm sido simplesmente ressuscitadas em nossa cultura.

A equalização do ser humano com os animais é uma dessas práticas. Recentemente, um conhecido filósofo de moral cunhou a expressão ‘especismo’ para denominar algo semelhante ao racismo. Racismo é discriminar alguém por causa de sua cor, e especismo combate a ideia de que os ‘filhotes’ ou seres humanos teriam mais valor que as outras espécies da natureza. Ele defende que todos teriam o mesmo valor. Perceba que tal manifestação é sintomática, pois revela uma enfermidade profunda e existencial: a perda de autoconhecimento pela qual o ser humano passa no ocidente. O homem não sabe mais quem ele é nem qual sua vocação no mundo. No caso da enfermeira, em vez de as pessoas ficarem indignadas com a desumanização do ser humano, ou seja, por seu comportamento menos que humano, a preocupação foi com o animal em si.  Mas a sua situação dela é trágica como ser humano, seja em termos mentais, morais ou jurídicos. O pensamento dominante por trás de tudo isso é a igualdade entre seres humanos e animais. 

A IDENTIDADE HUMANA E O CONHECIMENTO DE DEUS SÃO INDISSOCIÁVEIS

A imagem de Deus no homem é um dos assuntos centrais em Gênesis 1 a 11. Na verdade, a identidade humana não pode ser recuperada sem o conhecimento de Deus. Ninguém sabe o que é ser humano sem estabelecer uma conexão entre Deus e o homem. Não se pode reter a imagem humana sem uma visão clara de Deus porque a identidade humana e o conhecimento de Deus são indissociáveis. Essa é a tese que desejo enfatizar neste artigo.

Gênesis 1. 28-28: E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.

Gênesis 2. 7-9:  formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.
E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado.
E o Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal.

Gênesis 2. 15-18: E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.

Gênesis 2. 21-24: Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.

Gênesis 5. 1-2: Este é o livro das gerações de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez. Homem e mulher os criou; e os abençoou e chamou o seu nome Adão, no dia em que foram criados.
Gênesis 9. 6-7: Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem. Mas vós frutificai e multiplicai-vos; povoai abundantemente a terra, e multiplicai-vos nela.


As passagens acima são fundamentais para entender o significado da imagem divina no homem. Aliás, os capítulos 1 a 11 de Gênesis podem ser considerados a pré-história dos atos revelatórios e especiais de Deus.  O entendimento de que o homem foi criado à imagem de Deus é essencial para compreender todo o restante de Gênesis, todo o Pentateuco e o restante do Velho Testamento, e todo o Novo Testamento.

Por exemplo, em Gênesis 12 temos a história de Abraão que marca o pacto da promessa, o princípio da revelação da salvação pela graça que Deus traria para toda a humanidade e não apenas para um grupo seleto. O pacto abraâmico é citado várias vezes por Paulo no Novo Testamento como sendo cumprido na pessoa de Jesus Cristo, o foco dessa aliança. É impossível entender a aliança abraâmica sem entender Gênesis 1-11. Abraão foi levantado para trazer bênção a todas as nações, porém, antes dele temos a tábua das nações que descenderam dos filhos de Noé. Gênesis 11 mostra como os homens, liderados pelo poderoso caçador Ninrode, rei de Babel, tentaram resistir à ordem divina de se espalhar pelo mundo. A ideia era construir um centro de poder militar e religioso. Por isso, Deus desce e confunde as línguas para preservar as nações espalhadas sem o controle tirânico de Ninrode, inimigo de Deus. Portanto, Gênesis 1 a 11 é a história de como Deus cria o homem à sua imagem e semelhança para ser seu representante divino no mundo, e de como Deus trouxe à luz as nações para que pudesse, do meio delas, levantar Abraão e a partir de sua família abençoar os povos que haviam sido espalhados.

Sem o entendimento desses capítulos de Gênesis, o ensino do Novo Testamento sobre salvação pela graça fica obscuro e sem significado para o cristão. A salvação está relacionada com a criação. Deus veio em carne para salvar o que ele havia criado. A amplitude do seu entendimento da graça corresponde à amplitude do seu entendimento da criação. Sem entender o que Deus criou e com que propósito, você não entende o que Jesus veio fazer aqui. Infelizmente, a maioria dos cristãos está perdida em relação ao significado de sua fé.

A obra de Jesus é tão ampla que Paulo afirma em 1 Coríntios 15.45-47 que Jesus é o último Adão e o segundo homem. Se segundo homem (ou novo homem - kairo anthropos - de Efésios 4.24) é um dos títulos de Jesus, torna-se necessário entender o que é o homem. Para pensar sobre isso, podemos usar duas referências: ou olhamos para nós mesmos ou olhamos para o homem Jesus que tem muito para nos ensinar sobre o que é ser um verdadeiro homem. Salvação não é uma evasão do mundo, é uma restauração do que Deus fez nos primeiros capítulos de Gênesis. Ser um cristão autêntico é ser um homem autêntico. Ser um não-cristão é ser um ser humano inautêntico. É errado pensar que os não-cristãos são seres humanos e que nós cristãos, além de seres humanos, somos também cristãos, como se tivéssemos um plus que é a graça. Todos nós somos menos que humanos se estamos em pecado e afastados de Deus.

Como assim? - você pode perguntar. É verdade que todo mundo é ser humano, até quem não crê em Jesus, mas você precisa entender que a identidade humana é diferente de ser humano. Mesmo sendo feito à imagem de Deus, o ser humano pode ficar confuso sobre sua identidade. Por exemplo, você já viu um passarinho em crise sem saber se é um gato ou um cachorro? Ele não sobe num pinheiro e fica se questionando: E agora? Que vou fazer de minha vida? O passarinho é o que chamamos na biologia de um ser senciente, pois tem ciência do mundo, mas não de si mesmo. Sua identidade e natureza são indissociáveis. Diferentemente do homem, ele não possui liberdade moral de autodeterminação. Já o ser humano é um ser consciente, pois tem capacidade de reflexão. O homem sabe que sabe, não apenas sobre o mundo, mas sobre si mesmo. Diferentemente de um passarinho ou um cachorro, o ser humano pode ficar confuso sobre sua identidade e pensar que não passa de um animal avançado ou de uma pilha de moléculas.[continua...]

*(Este artigo foi escrito por Elenir Eller Cordeiro baseado numa mensagem ministrada por GUILHERME DE CARVALHO, teólogo, pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, palestrante e diretor do L´Abri Brasil.)

Baixa Grande, BA, setembro de 2014.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Sacramento do momento presente - 3ª parte



O que é o tempo – duração ou movimento?

Há muito que os filósofos tentam lidar com a experiência do tempo. Henry Bergson, por exemplo, tornou-se famoso por definir a duração como um elemento essencial do tempo. Devido a algumas características da cultura moderna, criou- se a ilusão do instante, de que ele seria o congelamento de uma etapa do movimento.  Sendo assim, o tempo seria o movimento para frente e os movimentos que congelamos não seriam tempo, mas uma imagem irreal (como uma fotografia que capta um momento de luz, mas não é realidade do fato). Então, quando você congela um instante você não pode referir-se mais a ele como tempo, mas como uma multiplicidade de fenômenos que aconteceram durante o tempo.  O tempo não passaria de um movimento.

Outro filósofo francês discordou das ideias de Bergson e afirmou que o tempo é exatamente o instante que passou. Que não se pode falar do tempo como uma durabilidade, mas como uma série finita de instantes que daria à luz a uma descontinuidade essencial no tempo.

Sem intenção de dar solução para o debate, eu diria que a partir de uma cosmovisão cristã nenhuma das duas teorias é totalmente verdadeira. Por um lado, existe duração. O tempo, além de ser um instante, é a presença do passado e a antecipação do futuro na nossa experiência presente. É por isso que o passado é tão importante na cosmovisão cristã. Por outro lado, a ideia do instante faz sentido. Ele não é só a continuação do que estava vindo, mas é algo novo que acontece agora. Só assim temos a possibilidade cristã do milagre. Por exemplo, para que Jesus seja o verbo encarnado ele não pode ser reduzido ao que estava acontecendo antes do processo histórico, ou seja, ele não faz parte de um movimento intrínseco ao processo histórico. Jesus é o novo que não pode ser explicado a partir do que vinha antes. Numa cosmovisão cristã existe novidade, e para haver novidade o instante tem que ser importante.

Sem intenção de solucionar o problema filosófico, eu diria que tanto duração como instante são essenciais para o cristão. (Mencionarei isso mais adiante.) O fato é que a intuição do futuro na imaginação e a lembrança do passado na memória estão concentradas no presente. É no presente que lembramos o passado e é no presente que imaginamos o futuro. De qualquer forma, o agora é essencial, pois só temos consciência de quem somos nele. Você pode pensar a respeito do que fez e imaginar o que vai fazer, mas o contato direto com você mesmo é neste exato momento. Um filósofo se referiu a isso como o eterno agora.

Continua...